O poder de uma voz
- Giulia Freitas
- 2 de fev. de 2019
- 7 min de leitura

Com participação em diferentes projetos do meio musical, a cantora brasileira Paula Lima continua traçando sua carreira. Dentro do estilo de Samba Rock, a artista sempre foi muito focada no balanço e no ritmo de suas canções. Ela conta como seu foco mudou ao longo do tempo, e como acredita que suas letras podem atingir seu público e criar uma identificação com ele.
Apesar de ter estudado piano dos sete aos 17 anos, foi apenas em sua vida universitária que ela conheceu outros musicistas e começou a levar a ideia adiante. Formada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Paula começou sua carreira na música em 1994, na banda Unidade Móvel. Nos seguintes anos, ela passou por diversos outros grupos como Unidade Bop, Zomba e Grêmio Recreativo dos Amigos de Samba, Rock, Funk & Soul. Nesse mesmo período, foi convidada pela dupla Thaíde & DJ Hum para gravar “Senhor Tempo Bom”. Por dois anos, ela viajou com eles e teve a oportunidade de conhecer melhor a cultura Hip Hop.
A última banda que Paula participou foi a Funk Como Le Gusta, e ela conta ter sido o grupo mais importante do qual fez parte. Eram treze integrantes muito experientes no palco. Com um som instrumental muito forte e diferente do que se costuma ouvir pelo Brasil, ela diz “Acho que até hoje o som da banda é único.” A cantora acabou se apaixonando pelo funk enquanto participava da banda e saiu de todos os outros projetos para dar exclusividade a esse. O grupo gravou então, seu primeiro álbum. E com o destaque que Paula pôde ter por sua participação, seis meses depois ela recebeu o convite para gravar o seu primeiro disco solo.

Antes de lançar seu primeiro álbum, a cantora conheceu Seu Jorge. Ele tinha começado a fazer sucesso ao participar do grupo Farofa Carioca. Os dois criaram uma grande amizade, Paula diz que ele foi seu braço direito na época e quando recebeu o convite para seu primeiro trabalho solo, ela pediu o auxílio do amigo. Com o produtor Max de Castro, o projeto teve palpites de diversos artistas renomados além de Seu Jorge, como Ed Motta, Cláudio Zoli, Gerson King Combo e até integrantes da Black Rio. “É Isso Aí” foi o título do trabalho mais especial de Paula. Ela diz acreditar que esse foi o seu melhor álbum até hoje. Lançado em 2001, o projeto recebeu uma crítica muito positiva, tanto do público quanto de especialistas.
A gravadora de Paula na época em conjunto com a pressão da carreira a obrigou a optar entre continuar solo ou seguir com a Funk Como Le Gusta. A quantidade de shows marcados crescia e não era mais possível manter os dois trabalhos, portanto ela decidiu seguir seu caminho individual.
Em 2006, lançou o álbum “Sinceramente”. Dois anos depois, investiu no disco ao vivo “Samba Chic”. Já em 2011, “Outro Esquema” chegava nas mãos do público. Mas foi em 2014, que Paula entregou aos fãs seu quinto álbum, “O Samba é do Bem”. Á procura da batida perfeita e incentivada por Leandro Sapucaí, a cantora decidiu montar um disco de samba. O trabalho rendeu uma indicação ao Grammy Latino e angariou mais fãs à carreira dela.

Mas não foi só entre palcos de show e estúdios de gravação que Paula Lima construiu sua carreira musical. Por três anos, ela foi jurada do Ídolos, exibido pela emissora Record na época. O programa estava no auge, e era assistido por grande parte do público brasileiro. E a cantora conta como o início daquela experiência foi assustador. “Me assustei pois meu público mudou, e as coisas do dia a dia que eu fazia de uma maneira muito tranquila, eu não pude fazer mais. A galera ficava atrás de mim, querendo foto, e era uma coisa estranha pra mim.” A cantora ressalta que sempre atendeu os fãs, mas se sentia muito mais confortável em conversar com aqueles que reconheciam sua música, e não simplesmente queriam uma foto com uma celebridade da televisão.
Paula também lembra como sua participação do show de talentos foi relevante para sua carreira e para representatividade da mulher negra na televisão. “Foi muito legal, eu tive um acesso ao Brasil que talvez até hoje eu não teria sem ter participado. E além de tudo, as pessoas da TV viram que eu tinha um sentido ali. Na época, eram poucas mulheres negras naquele tipo de papel na TV. Foi muito importante.”
Dois anos depois de sair do Ídolos, a artista foi convidada pela Globo para ser comentarista de Carnaval. Ela conta que aquilo era muito distante e desconhecido para ela. Mas com o convite, ela se determinou a estudar sobre o assunto. E foi ali que percebeu a genialidade do carnaval brasileiro. “Percebi como aquilo era uma coisa de muito amor e inteligência. Era louco na minha cabeça, eu ensaio dois meses pra fazer dois anos de shows e eles ensaiavam o ano todo pra se apresentar um dia. O amor é uma coisa além.”
Também como um reflexo de sua participação no programa Ídolos, Paula foi convidada a fazer parte do musical Cats. Ela ficou um ano em cartaz como a protagonista da peça e diz ter aprendido uma disciplina completamente diferente com o projeto. As rotinas e padrões que uma peça teatral exige são extremamente diferentes de um concerto de música. Ela acredita que em um ano participando de Cats, ganhou cinco anos de experiência de vida.
Com todos os projetos que já havia sido parte, portas continuaram a se abrir. Assim, ela foi uma das cantoras do Projeto Chico Buarque junto de artistas como Daniela Mercury e Elba Ramalho. Atualmente, Paula apresenta o programa da Rádio Eldorado FM, Chocolate Quente. A proposta é apresentar Black Music de todos os estilos e épocas.
As principais influências musicais de Paula são artistas da Black Music. O suingue de Jorge Ben Jor, a voz de Elza Soares, e até mesmo o ritmo de Tom Jobim fazem parte de suas preferências. Ela conta que enxerga a Bossa Nova como música negra também, e acha incríveis as harmonias compostas por Tom. Fora do Brasil, ela conta se inspirar em Michael Jackson, Ella Fitzgerald, e na atitude e força de Nina Simone. Mas suas maiores admirações são Erykah Badu e Quincy Jones.
Seu hit preferido já gravado foi “Meu Guarda-Chuva”, canção que aparece no compilado de vários artistas “Soul Music Brasil”. Ela se orgulha muito de já ter tido a oportunidade de trabalhar com Milton Nascimento. E quando questionada a escolher entre samba ou samba rock, ela não tem dúvidas. “Samba Rock. Eu amo o Samba, está em mim, mas meu habitat natural é o balanço.”

Paula Lima sempre teve a intenção de se expressar musicalmente e se divertir fazendo o que ama. Ela acredita no poder da música de transformar a vida de alguém, e com o reconhecimento que tem, sente que usar isso para o bem é parte de sua missão como pessoa e cantora. Atualmente, por meio de jornais, televisão, e redes sociais, as informações são muito mais acessíveis. A cantora acredita que isso cria uma noção muito mais exata da realidade em que vivemos.
A artista cresceu estudando em escolas particulares, e lembra que era a única negra de suas turmas. Por seu amadurecimento rápido, ela nunca se sentiu retraída por conta da cor de sua pele. “Eu sempre soube que o racismo e o preconceito eram presentes, mas isso não era tão claro pra mim.” Por ser uma ótima aluna na escola, ela sempre foi protegida por professores. Mas dentro de casa, sempre teve o assunto esclarecido por seus pais. “Eles sempre deixaram claro que eu teria mais obstáculos pela frente.”
Sua mãe era professora aposentada, e seu pai, metalúrgico. E pela origem mais humilde, a visão de mundo que ela recebia de sua família em relação aos preconceitos era mais inocente. Paula ressalta que seus pais sempre a incentivaram ao estudo. “Nunca me falaram pra eu ter um bom casamento ou algo do tipo, sempre para que eu estudasse.” Ela começou a realmente entender os preconceitos que vivia, já mais velha.
Um de seus amigos da banda Unidade Móvel, Eugênio de Lima, tinha mãe ativista. A proposta era muito inovadora na época e a ajudou a compreender melhor o que se passava. Com a vivência, Paula se deu conta de que podia ter passado por diversas situações preconceituosas sem nem ao menos perceber. Hoje, ela diz ter noção do todo, e acredita em seu empoderamento e em sua voz.
Marcante em sua memória, foi um acontecimento no início de sua carreira. Uma amiga da cantora trabalhava em uma gravadora que tinha acabado de contratar uma nova artista. A jovem decidiu mostrar o trabalho de Paula e incentivar a gravadora a contratá-la também. A recusa do produtor seria aceitável se não viesse em conjunto com a seguinte frase, “Eu não posso contratar duas cantoras negras, eu não sei como o mercado vai reagir.”
Foi assim que Paula começou a compreender melhor o funcionamento do mundo e do mercado de trabalho. A falta de representatividade prejudicou muita gente. Ela cita a diferença que o poder viral da internet poderia fazer na época.
A ideia de merecimento e puro esforço também é desmistificada pela cantora. “Minha vida foi muito diferente de vários negros da minha geração. Não foi uma questão de saber mais. Foi uma questão de oportunidade diferente que eu tive, e que infelizmente é muito rara.”
Além do combate ao preconceito, Paula usa sua voz para lutar contra o machismo. Sua canção Fiu Fiu, lançada em 2015, fala exatamente sobre a situação de assédio que a mulher passa o tempo todo. Convidada a ser Embaixadora do Tribunal de Justiça da Secretaria da Mulher em Situação de Violência Doméstica, Paula conta que era uma necessidade alguém que tivesse voz no país. Alguém que trouxesse à tona o assunto, e o discutisse. “Não acho que a violência contra a mulher aumentou. Só acho que as pessoas falam mais, e que bom que estamos falando mais.”
Paula Lima acredita no poder que a educação teria para melhorar todos os tipos de preconceitos. Além disso, ela tem a intenção de cada vez mais usar suas canções para influenciar seu público em combate a isso. Ela promete trabalhar em seu próximo disco para 2019 com um novo produtor. “Lógico que vou ter músicas sobre amor, sobre balanço. Mas eu quero e preciso falar. Vai ter muito recado e muita mensagem. Quero fazer com que as pessoas reflitam.”
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